Escrito por Karla Leandro Rascke
Seg, 03 de Outubro de 2011 21:16 A estrutura metálica já está pronta para receber o telhado do novo galpão que vai ocupar o número 30 da Rua Floriano Peixoto, em Neves, São Gonçalo. Dentro do terreno, uma casinha centenária aguarda a demolição marcada, segundo o proprietário, ainda para esta semana.
Poderia ser uma simples obra, não fosse um detalhe: a casa rosa, com a pintura já castigada pelos anos, é a última testemunha do nascimento da umbanda. Foi no imóvel — que ocupava o centro de uma chácara, no início do século XX —, que Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, dirigiu a primeira sessão da religião.
Era 16 de novembro de 1908. A umbanda é a única manifestação religiosa 100% brasileira. — A demolição nos deixa muito decepcionados, pois perdemos uma referência da chegada da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas — diz Pedro Miranda, presidente da União Espiritista de Umbanda do Brasil, em referência à entidade que orientou Zélio a fundar a religião.Espíritos tristesA notícia também surpeendeu a mãe de santo Lucília Guimarães, do terreiro do Pai Maneco, em Curitiba, Paraná.
Na década de 1990, ela veio ao Rio para pesquisar as origens da religião.— Imagino que até os espíritos estejam tristes. É uma pena — lamenta ela. Há mais de cem anos com a família de Zélio, o imóvel onde surgiu a umbanda foi vendido recentemente para o militar Wanderley da Silva, de 65 anos, que pretende transformar o local em um depósito e uma loja.
— Eu nunca soube que a casa tinha essa história. Mas agora já comprei, investi, não posso deixar de demolir — explica-se.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca houve um pedido de tombamento do imóvel. A antiga casa de Zélio também não é protegida pelo governo estadual ou pela Prefeitura de São Gonçalo.De acordo com a última avaliação do IBGE, feita no Censo 2000, o Brasil tem quase 400 mil umbandistas. A religião está em todos os estados do país e também no Uruguai, Paraguai, Argentina, Portugal, Espanha e Japão.
‘Tudo acabou’
O terreiro de Zélio de Moraes — que recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade — funcionou por poucos anos em São Gonçalo. Os primeiros umbandistas mudaram-se logo para o Rio de Janeiro.Primeiro, o centro funcionou na Rua Borja Castro, na Praça Quinze.
A rua foi extinta, na década de 1950, para a construção da Perimetral. Dali, foram para a Avenida Presidente Vargas. O imóvel também foi demolido, dessa vez para dar lugar ao Terminal Rodoviário da Central do Brasil.Uma nova mudança e mais uma demolição. A casa 59 da Rua Dom Gerardo, em frente ao mosteiro de São Bento, virou um estacionamento.
— Tudo acabou, eram prédios muito antigos. Lamento que o último registro também vai desaparecer. Mas o mais importante é que os ensinamentos do meu avô se perpetuem — pediu a neta de Zélio, Lygia Cunha, que hoje preside a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade.
O terreiro agora funciona em uma sede própria, em Cachoeiras de Macacu, no interior do estado.Capela de São PedroAntes de ser vendida, a casa onde nasceu a Umbanda abrigou uma capela católica.
A última moradora do imóvel, uma descendente de Zélio que é muito católica, cedeu o espaço para os devotos. Quem administra a igrejinha — que também mudou de endereço — é dona Geraldina dos Santos, de 74 anos.— Não tenho preconceito, não.
Todos somos filhos de Deus. Se a religião nasceu lá, a casa devia ser preservada. É importante — disse.
Fonte: http://extra.globo.com/noticias/rio/casa-onde-foi-fundada-umbanda-em-sao-goncalo-sera-demolida-esta-semana-2682118.html